terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aspeta un àtimo...

O tempo corre veloz e descompassado entre os passos mecânicos do relógio. Corre, corre tão devagar que foge.
Olho para os ponteiros milhares de vezes. Entre cada uma delas pergunto ao mostrador impávido - inflexível como um sargento de cavalaria - onde guarda ele o meu tempo. Qualquer um dos meus.
Os conceitos revêem-se diariamente. Sempre pensei que o meu maior luxo eram os puros. Hoje compreendo que era, na verdade, o tempo que eles me davam para ouvir a cacofonia de todos os meus Eus dentro do silêncio azul do fio de fumo.
A cacofonia, cada vez mais e mais ensurdecedora, soltou-se. Caótica. Ininteligível. Como em qualquer orquestra, devia ter sido ouvida linha a linha, tom a tom, compasso a compasso. Foi esquecida. Eu esqueci-me de como se conduz a minha própria orquestra. E agora ensurdeço, perdida na falta de silêncio que outrora desejei.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Daguerreótipo

A minha avó - figura frágil porém baluarte - trouxe sempre consigo um medalhão dourado ao peito. Dizia, com a candura que lhe marcava todas as palavras, que a sua avó havia carregado o mesmo cordão de seda com a oval finamente bordada até ao dia em que ela o herdou.
O fascínio que tem aquele rosto - recortado entre tons sépia, com um ar severo e o olhar altivo, inquirindo quem o fita - vivo, apesar dos seus mais de cento e vinte anos; não se explica. Sente-se. Não o conheço, nada dele conheço a não ser a enorme bruma da qual se agigantam os mitos que me contam como sendo ele, o senhor que tinha asas.
Sei, que como a minha avó, vou carregar pendurado ao peito o passe-partout com a responsabilidade que ser dali encerra. Não sei, jamais saberei, se tive asas grandes para a levar até à próxima. A menina que vou sentar ao meu colo, que tem os olhos altivos, inquirindo-me quando a fito - vivos, como só tem uma criança com as estrelas dentro do seu firmamento - e lhe conto as lendas, que ela um dia entenderá.